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O autor desse Blog é estressado, ranzinza, sarcástico, mal amado, egocêntrico, pervertido, preguiçoso, boca suja e teimoso. O lado bom? Ele nunca mudará.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Deus odeia a América: Capítulo 1 - A primeira visita. [Conto]



“Rouba um prego, e serás enforcado como um malfeitor, rouba um reino e tornar-te-ás duque” – (Chuang Tzu)


As sapatilhas vermelhas.

A fita florida, amarrada com jeito nos cabelos presos em um rabo de cavalo.

E o inseparável ar de quem sabe das coisas.

Eram as três das coisas que faziam dela meu melhor passatempo, e minha pior sina.

Não preciso dizer que minha sorte havia mudado bastante desde os últimos dias que estive preso naquele cubículo mal cheiroso e extremamente entediante. É irônico, devo confessar. Essa sensação de que caímos do trono faz a gente pensar que agora tudo vai dar em merda.

E não é drama. Realmente, tudo acaba em merda.

Faziam apenas quinze dias que eu estava preso em uma cela separada graças ao que chamavam de “falta de disciplina” e eu já sentia meu estômago se esforçando para se adaptar aos horários e refeições.  Isso sem contar o fato de eu sempre ter que aturar a mesma ladainha daqueles que se renderam aos gostos do próprio sexo. A verdade é uma só, a cadeia é como uma festa.  Sabe essas festas que a gente vai carregado pelos amigos, quando mais jovens? Onde rola de tudo, drogas ilícitas fora dos olhares da segurança, sexo sem proteção pelos cantos escuros e as brigas que começam sem motivo e só acabam quando alguém consegue provar algo.
A diferença é que na festa nós pagávamos para ficar...

- Ela é bem gostosa. – me disse o guarda que cuidava da minha cela, observando a mulher que se aproximava pelo corredor com aquele olhar tarado que todo homem ativa ao menos uma vez por dia, ao avistar um belo rabo de saia.

- Vou sentir saudades do seu cavalheirismo. – eu disse, ignorando posteriormente o olhar atravessado que o homem me dera.

- Já sabe pra onde vão te levar? – ele perguntou.

- Tenho minhas suposições.

- Tão dizendo que sua cabeça ta valendo prêmio lá na América.

 Acho que o verdadeiro problema das penitenciárias hoje em dia é essa intimidade que os lados opostos adquirem uns para com os outros. Convenhamos, eu só estava preso há meio mês, não precisava escutar o que um guarda de meia idade que mal sabe escrever supunha a respeito da minha estadia na prisão.

- Ainda estamos na América. – eu disse sorrindo. Ele geralmente não entendia nenhuma ironia, o que tornava a situação ainda mais cômica. – Sabe, continente americano. América do Norte, América latina, essas coisas. – continuei, tentando esclarecer um pouco a brincadeira.

Logo que vi seu olhar de burro na água percebi que se eu continuasse tentando explicar a piada, ela perderia a graça.

- Não tem graça. – ele disse, com um semblante sério.

E finalmente a graça se perde na floresta da burrice.

- É, eu sei.
O clima hostil foi interrompido finalmente pela chegada dela.

Não foi atoa que o guarda abusado a cobiçou com os olhos do início ao fim de sua caminhada pelo corredor.

Ela era bela.

Era sensual.

Era abusada sem querer ser.

- Se ele bancar o engraçadinho pode me chamar, viu, madame? – eu o ouvi dizer com a voz embargada pela falta de ar, enquanto tentava murchar a barriga carregada com muita gordura e álcool acumulados.

- Pode deixar, estamos seguros. – confiança era o que ela tinha na voz ao olhar para mim enquanto afirmava sua própria segurança sem ao menos temer estar de frente para um dos mais procurados criminosos que a América já teve nos últimos dez anos. Era aquela a confiança que eu temia.

Era aquela a mesma confiança que eu tinha.

            - Acho que ele não confia muito em você. – ela me disse, tentando parecer descontraída e devo destacar, realmente estava encenando muito bem.

            - Eu não o culpo. – respondi, brincando propositalmente com a pulseira de identificação que haviam posto em meu pulso.

            - Emma. – ela se apresentou, esticando a mão de forma que fosse quase impossível recusar um aperto formal. Ela era esperta, sabia que eu não recusaria uma apresentação formal de uma dama.

            - Receio já ser conhecido o suficiente, então podemos pular minha parte. – eu disse logo após soltar sua mão macia.

            - Uau! Estou lidando com uma celebridade, pelo visto.

            - Pois é. As pessoas tendem a gostar do que é mal feito.

            - Nisso eu tenho que concordar. – ela continuou respondendo a altura. Isso estava mais parecendo um desses inícios de jogos de tênis, em que os jogadores começam empolgados, respondendo a ataques geniais.

Meu único medo era ser o jogador que acaba derrotado por falta de respostas.

            - É. Eu acho que tem mesmo, afinal, não foi pra isso que veio até aqui, depois de uma longa pesquisa sobre o ladrão do momento?

            - Dei muito na pinta? – ela perguntou de um jeito natural, devo dizer. Eu devia estar ficando louco pelos dias preso na cela miúda, mas a naturalidade recém descoberta naquele rosto coberto pelas mechas de cabelo castanho claro estava me intrigando de uma forma curiosa.

            - Você está usando o perfume que eu gosto de sentir em qualquer mulher. – eu aproximei meu rosto brusca e propositalmente, fazendo-a ter um pequeno espasmo de receio, mas algo me dizia que em circunstância alguma ela recuaria. – Você está usando essa blusa de gola alta, não pelo frio, mas porque eu acho que cai bem em mulheres de cabelos longos nessa época do ano. Você está usando esses brincos discretos porque sabe que eu abomino extravagâncias. E por fim você dispensou a vigia de um guarda, ainda que incompetente, mas que poderia ser útil caso eu tentasse lhe prejudicar. E eu sei que não foi pela coragem que você sente, mas por saber que eu prezo isso em qualquer pessoa. Agora me diga, Emma, você ainda acha que não deu na pinta?

            Um silêncio quase perturbador passou entre a gente. Eu imaginei por um momento que ela me diria o quanto eu sou parecido com um desses psicopatas de filme barato, mas o que eu ouvi a seguir, superou qualquer coisa que eu pudesse aguardar.

            - Você quer sair daqui? – os olhos verdes dela me olharam de uma forma tão fixa que imaginei termos trocado os papéis de pessoa lúcida e psicopata.

            - Vou parecer muito burro se eu perguntar “O quê?” – respondi sem entender absolutamente nada.

            - Você pode ser de tudo, mas burro é algo que está longe de ser. Agora responda rápido, pois 
preciso saber se o nosso tempo não está sendo gasto atoa.

            - Nosso tempo? Desde quando as pessoas se importam com “meu tempo”? E que história é essa de que eu posso ser de tudo? Jesus, o que andam falando de mim lá fora?

            Ela não estava brincando. Seu olhar agora era direto. Suas mãos sequer tremiam e posso parecer anormal, mas isso excitaria qualquer homem. Certo?

            - Ok. Façamos de conta que eu posso escolher, é óbvio que eu gostaria de sair daqui.

            - É seu dia de sorte. – ela disse se aproximando sem nenhuma cerimônia e sentando ao meu lado, na cama. Eu quase pensei alguma obscenidade, mas o gravador que ela tirou da bolsa atraiu toda minha atenção.

            - Eu sei que dizem por aí que bolsa de mulher tem de tudo, mas isso é exagero, não acha?

            - Não quando se é jornalista e escritora. – ela respondeu preparando o que eu supunha ser o início de uma gravação.

            - Sem querer ofender, mas eu nunca ouvi falar de você e eu não sei o que pretende fazer. Mas seja lá o que for, não vai dar certo.

            - Na verdade já está dando, só falta você colaborar.

            - Consegue ser mais clara que isso, ou ta difícil?

            - Eu estou aqui para escrever sobre você. Ou melhor, sobre o novo integrante da lista dos dez maiores ladrões que esse continente já teve desde a década de trinta.

            - Como uma biografia? – eu perguntei aos risos, recebendo um “sim” em forma de aceno com a cabeça. – E o que a leva a crer que eu vou colaborar com isso? Eu estou preso, prestes a ser deportado e só Deus sabe o que vai acontecer comigo quando eu sair daqui, acha que eu não tenho nada mais importante pra me preocupar do que...

            - Esse é o seu passaporte pra fora daqui. – ela disse me calando com o mesmo efeito de um murro nos dentes.

            - Como é?

            - Se você me ajudar a editar sua biografia, eu garanto a sua liberdade condicional com a ajuda de um dos melhores advogados do ramo e ainda posso lhe ajudar a obter um retorno financeiro que nem dez anos de furtos cobririam. Todos os países que você roubou querem você. E eu pretendo fornecê-los de uma maneira que todos saiam ganhando. – ela balançou um livro de capa preta, tirado de dentro da bolsa. A contra capa do livro tinha sua foto estampada. Sorridente e triunfante. - Não acho que você esteja em uma situação confortável o suficiente para recusar uma ajuda dessas, por mais estranha que pareça. 

            - Ainda sim é perca de tempo. Meu horário de visitas é curto e eu não devo durar mais de uma semana nesse lugar antes de me transferirem.

            - Quanto a isso, deixe que eu cuido. Tentarei prolongar sua estadia aqui no cinco estrelas. – ela disse toda cheia de cinismo. Acho que estávamos começando a nos entender, embora tudo isso ainda fosse no mínimo, surreal.

            - Não tenho muito a perder, neh? – eu perguntei olhando aqueles olhos claros que combinavam de leve com aquele sorriso de satisfação nos lábios da garota que entrou na minha cela como uma completa desconhecida, e parecia estar prestes a se transformar no meu passaporte dourado.

            Se ela soubesse dos meus planos.

            Se soubesse como tudo passou a ficar mais fácil com sua ajuda.

            - Então, quando começamos? – perguntei tentando parecer entusiasmado, embora ainda houvesse pulgas atrás das minhas orelhas, metaforicamente falando, felizmente.

            - Agora mesmo. E é bom que comece do início, o mundo precisa saber como surgiu o ladrão mais jovem e mais procurado dos últimos tempos. – ela respondeu, com o gravador ligado.

            - Espero que goste do que vai escutar. Pois eu particularmente, não sou fã dessa história.

            Eu respondi, mesmo sabendo que era mentira. Mesmo sabendo que tudo que havia vivido até aquele exato momento, era tudo que eu sempre quis...




4 comentários:

  1. Quando sai o próximo capítulo? Fiquei curiosa pra saber da história do ladrão... *oo*

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  2. AHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHHAHA.
    eu gostei. umas tiradas sensacionais, rs.

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  3. Totalmente excelente, cara.
    Parabéns. Texto muito envolvente.

    Aguardamos o segundo capítulo.

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  4. Aaaa como to atrasadaa hsuahsauhu'

    Nossa você manda bem mesmo! Na verdade estou curiosa pra saber o que ele robou e como robou hahaha'

    Estou ansiosa ao proximo capitulo, e do outro também.

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