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O autor desse Blog é estressado, ranzinza, sarcástico, mal amado, egocêntrico, pervertido, preguiçoso, boca suja e teimoso. O lado bom? Ele nunca mudará.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Soldado sem nome - Capítulo um: Últimas memórias

Dizem que o homem causa sua própria destruição, dia pós dia. Eu contesto.

Quem dera se o homem destruísse apenas a si mesmo.

Quando tudo isso tiver acabado um dia, eu espero que alguém de bom coração possa tomar posse de todas essas informações e divulgá-las para o máximo de pessoas que puderem ler. Meu objetivo não é ser famoso, até porque quando souberem de tudo eu já estarei sob sete palmos de terra, contaminada ou não.
            Meu objetivo é mostrar a todos o lado mais sujo da humanidade.

            Meu objetivo é fazer com que nem a paz faça-os esquecer.

            Meu objetivo é comprovar a lei do maldito Murphy, e ao mesmo tempo contradizê-la.

            Que Deus me perdoe. Por tudo.

            Ass:

            A data é 24 de dezembro de 2012.

            Me lembro até hoje de todo aquele clima de Natal que eu odiava. Era tão mais difícil as coisas nessa época, que a vontade jogar tudo pro alto e voltar pra São Paulo tinha começado a se transformar em uma ânsia desenfreada. Nunca fui o tipo de pessoa fraca, que se deixa levar pelas dificuldades e desiste na primeira queda, até porque eu nem tinha motivo pra isso. O intercâmbio havia me ajudado bastante, eu havia conseguido criar laços com pessoas que significavam muito para minha carreira Mas era tão complicado acompanhar a ceia de natal do pessoal lá de casa pelo monitor do Notebook que segurar as lágrimas ao ver minha sobrinha de três anos me mandando beijo e dizendo “Amo você” era quase inevitável. Em pouco mais de um ano, só pude visitá-los no meu aniversário, um mês antes do natal. O que deixava Clara completamente frustrada. Ela era o tipo de garota que acredita em amor verdadeiro até quando não pode. Ficava sempre ao lado da minha irmã quando eu resolvia vê-los na câmera e vice versa, para mostrar que apesar da minha ausência ela continuava junto a minha família. Meu pai, um senhor robusto já na faixa dos sessenta e lá vai contagem, não apoiava muito o namoro à distância, fato que nos fazia discutir bastante por telefone. O cara passou por poucas e boas na época da ditadura por causa de uma única mulher e acabou se tornando uma rocha quando o assunto era romance. Ainda me pergunto como ele e minha mãe conseguiram fazer tudo dar certo. Ela, uma senhora baixinha e mirrada de olhos puxados, descendente de imigrantes japoneses, simplesmente a pessoa mais carinhosa que eu já conheci. Sempre entrou em contradição com o marido quando o assunto era meu futuro, meus estudos, meus namoros, minha vida de modo geral. Ele queria algo, ela queria o que eu quisesse. Mas no fundo, acho que mesmo ele não resistia ao sorrisinho meloso que ela mostrava com um poder que conseguia acalmar qualquer fera. Minha irmã, já era meu oposto em quase todos os aspectos. Gostava de coisas lógicas, da simplicidade da lógica em si. Empresária em ascensão, ela fazia questão de me lembrar todas as vezes que nos falávamos que ajudaria a gerenciar minha carreira assim que meu livro fosse lançado. Ela tinha uma garotinha de três anos chamada Alana, que era meu verdadeiro xodó e me fazia pensar se realmente não seria tão ruim ter filhos um dia. E por último posso citar eu mesmo, um sujeito de vinte e seis anos que vivia em New York há quatorze meses, trabalhando como aspirante de jornalista graças ao intercâmbio promovido pela universidade que havia me formado com louvor.

Faltavam dez minutos para meia noite e minha família já estava naquele clima de comemoração antecipado. Eu via pela câmera o rosto corado de Clara, ajudando a servir a mesa de jantar enquanto meu pai lançava olhares furtivos para a câmera que os filmava e transmitia todo o calor familiar direto para o meu computador. Na TV passava alguma notícia sobre a aparente trégua que os Estados Unidos firmaram com a Coréia do Norte, com quem estavam declaradamente em guerra já há quase oito meses, fato que até essa época havia provocado a morte de mais de dez mil marinheiros americanos e coreanos que guerreavam nos mares do Oriente.

Eu não dava a mínima pra quem guerreava ou deixava de guerrear, a única coisa que me importava naquela noite era comemorar o Natal da forma menos fria possível, ainda que em meu apartamento não tivesse mais ninguém além de mim.

Faltando quatro minutos para a contagem regressiva que minha mãe adorava fazer na véspera para o dia 25, ou em qualquer data comemorativa, o telefone toca. Até me estressei com isso de início, mas quando vi que Clara havia subitamente sumido do ângulo de visão da câmera, percebi que o telefonema me agradaria.

- Ei. – fui logo dizendo meio sem graça. Acho que a distância me transformava aos poucos em um idiota maior do que eu já era.

            - Ei. – ela responde do outro lado da linha, em um tom apreensivo. – Quis fazer uma surpresa antes do brinde aqui, você sabe como é sua mãe.

            - Sei, sei. E como você tá? Passou no teste que ia fazer para aquela peça? – tentei mostrar interesse, embora eu nunca tivesse ligado para o sonho que ela tinha.

            - Não, disseram que sou nova de mais pra um papel que requer tanta experiência de vida. – ela me respondeu com um tão amargurado que percebi que não devia ter tocado no assunto. Tratei logo de tentar concertar a cagada que eu tinha feito. – Não esquenta, esse tipo de coisa é assim mesmo. – “é assim mesmo”? Eu não podia ter pensando em nada melhor? – Logo, logo vai achar as pessoas que verão seu talento de verdade. Olha meu exemplo, conseguir vir parar aqui, certo?

            - Você concluiu a faculdade entre os cinco melhores e teve todos os custos dos primeiros meses pagos pelos seus pais. – ela respondeu tentando não parecer irritada com o comentário que eu fiz.

            - Desculpa, só tava tentando fazer isso não parecer tão negativo.

            - Tudo bem. Só liguei mesmo pra ouvir sua voz. – ela disse com a voz embargada. Eu podia ser uma besta quando o assunto era consolar alguém, mas mesmo com a distância, eu ainda sabia reconhecer um choro sendo sufocado.

            - Clara, que ta acontecendo, heim? – comecei a me preocupar.

            O silêncio tomou uns bons trinta segundos. Já dava pra ver minha mãe aguardando a nora para o brinde, enquanto meu pai revirava os olhos de tédio.

            Ela continuou calada.

            - Clara?

            - To aqui.

            - Então. O que houve?

            - Eu to grávida.

            Eu poderia ter dito muitas coisas. Você que está lendo isso pode pensar em várias opções para terminar esse diálogo da melhor forma possível. Mas quando é com a gente que acontece, a coisa muda de forma. Deve ter passado pelo menos um minuto de silêncio, agora provocado por mim, até eu dizer:

            - O brinde vai começar. – cada músculo facial que eu tinha estava paralisado.

            - Você ouviu o que eu disse? Eu falei que...

            - Eu ouvi! Agora vai pra mesa que o brinde vai começar. A gente termina isso outra hora. – não consegui. Simplesmente não pude pensar em uma forma de ser menos grosseiro. A imagem do meu futuro profissional sendo interrompido por um bebê não planejado me acertou em cheio em questões de segundos.

            “Querido, quer falar algo?” - escutei minha mãe dizer, percebendo que todos, exceto Clara que mantinha as mãos notavelmente trêmulas, me encaravam.

            O barulho que fiz com a garganta, era pra ter sido um não, mas acabou soando como um guincho que fez todos rirem, menos eu e ela que a essa altura já não conseguia controlar o choro. Vendo isso, era para eu no mínimo ter me sentido culpado.

Mas eu senti raiva. Não sei direito porque, mas era como se ela tivesse me tirado tudo que eu havia planejado com apenas um simples telefonema. Meu egoísmo extremo sempre se manifestava quando algo parecia ameaçado, isso já era fato confirmado.

A imagem dos meus pais me olhando sem entender coisa alguma, e minha irmã tentando compreender o porquê Clara estava com as mãos no rosto e se recusando a olhar para a câmera, me fez sentir ainda mais raiva. “Por que tanto drama? A gente nem conversou direito ainda!” – pensei enquanto via a cena.

Se eu pudesse, eu realmente teria voltado atrás.

Se eu soubesse o quanto eu ainda era imaturo por agir daquela forma.
..
Teria dito ao telefone o quanto feliz eu estava, mesmo não estando naquele momento.

Teria dito logo o nome que a criança deveria ter se fosse menino.

Teria pedido desculpas por estragar o futuro dela, ao invés de me preocupar com o meu.

Mas eu não pude.

Também não pude ouvir o que me diziam quando o áudio da transmissão ficou mudo e uma súbita oscilação de energia resolveu acontecer justo naquele momento, fazendo as luzes se apagarem e cancelando a transmissão pelo computador, que desligou.

- Só pode ser brincadeira. – eu disse olhando para o teto, cuja lâmpada piscava enlouquecida. Olhei pela sacada do apartamento e vi que metade dos prédios próximos ao meu pareciam estar sofrendo com o mesmo problema, com suas janelas parecendo árvores de natal. Percebi em um momento, que o problema não parecia ser o fornecimento de energia em si, mas alguma interferência bem forte, pois um Notebook que funciona a bateria não teria desligado caso a energia oscilasse.

Tratei logo de pegar o celular no bolso e ligar para o pessoal. A essa altura eu já havia perdido a ceia e Clara já devia estar aos prantos nos ombros da minha irmã, que com certeza planejaria um ótimo discurso para me fazer sentir o pior homem da face da terra.
Para minha surpresa, o celular não estava ligado. Na verdade não deu muito tempo de ver o status dele, pois quando o peguei a temperatura do maldito aparelho estava tão alta que originou uma bolha na minha mão, em poucos segundos.

Foi quando eu o vi.

Grande e majestoso.

Sobrevoando como uma águia gigante a procura de milhares de presas em uma bicada só.

O maior avião de guerra que eu já tinha visto ou ouvido falar em toda a minha vida.

Ele sobrevoou tão baixo que o cheiro do combustível pôde ser sentido. Antes que eu pudesse raciocinar e fazer a famosa pergunta – Mas que porra é isso? – fui tomado por outra surpresa, ao ver um segundo avião do mesmo tipo sobrevoando na direção contrária. Pareciam realmente aves de rapina gigantes, reconhecendo a área antes de dar aquele mergulho certeiro. Os curiosos de plantão aguardavam a vinda de uma terceira aeronave, mas o que tiveram, poucos segundos depois, foi muito além de suas expectativas. Foi além do que qualquer um imaginaria em um dia de Natal.

O barulho de algo cortando o céu marcou o início do verdadeiro Natal que a América teria. O míssil que saiu sabe-se lá de qual direção, acertou o em cheio um dos prédios próximos ao meu, ao qual eu tinha visão direta por ficar de frente pra minha varanda. O barulho foi tão forte que as janelas de muitos prédios próximos quebraram apenas com o impacto. Quando dei por mim, já estava descendo as escadas do prédio como um louco. Empalideci ao escutar os gritos que saiam de dentro do elevador quando passei pelo décimo quarto andar. Imaginei que ele tivesse parado pela mesma interferência que a energia e meu celular tiveram poucos minutos antes, mas não tive tempo de ficar para constatar quando escutei uma segunda explosão, bem mais forte que a primeira.

Dessa vez o prédio inteiro tremeu. Acho que New York em si estremeceu com o tamanho estrondo.
Me lembro de ter chegado a tempo de ver uma multidão aglomerada na frente do bar que existia no outro lado da calçada, no qual eu e mais alguns estudantes de intercâmbio frequentavam. Antes de entrar no meio do povão e encarar o empurra-empurra, olhei para o horizonte e vi uma das únicas coisas que podemos dizer “Não desejo nem pro meu pior inimigo”.
Uma onda de poeira cinzenta parecia ter se formado no céu, a vários e vários kilômetros de Manhattan, e parecia crescer numa velocidade assustadora.

- Coreanos filhos da puta. – ouvi um rapaz que estudava psicologia e morava no andar de baixo do meu prédio dizer, enquanto também tentava se ajeitar entre os curiosos para ver as notícias do plantão na TV dentro do bar.

“O que toda a América temia, teve início há poucos minutos, quando dezessete mísseis foram lançados em regiões distintas entre os cinco condados da cidade de New York. Nas proximidades do Bronx, uma bomba de efeito esmagador foi solta. Não podemos estimar o número de vítimas que ela pode ter causado, pois a onda de poeira que se formou bloqueia qualquer entrada no local. Equipes de descontaminação já estão sendo enviadas e não descartamos a possibilidade de um atentado a nível nuclear. Los Angeles também está sofrendo com súbitos ataques, tendo tido metade da cidade bombardeada e uma bomba com efeitos semelhantes a essa, solta bem no coração da cidade. O Presidente dos Estados Unidos da América entrará ao ar em quinze minutos, fazendo um pronunciamento para todos os cidadãos.”

Nuclear?” – pensei enquanto tateava os bolsos a procura do celular, lembrando logo em seguida que tinha acontecido com ele. Passei alguns minutos perambulando pelo bar a procura de um celular emprestado, mas pelo visto todos tiveram o mesmo problema.
As pessoas não sabiam direito o que fazer naquele momento. Muitas resolveram ficar no bar, achando que isso as garantiria alguma segurança. Outras como eu, resolveram sair e pegar o primeiro taxi para uma região mais afastada. Mas sem dúvidas, todos sentiram a mesma aflição quando olharam pro céu e viram frotas de aviões Coreanos fazendo o que foram enviados para fazer.

Não tive tempo nem de pensar no que fazer quando eu e todos que aguardavam na calçada do bar, fomos jogados a metros de distância. Até hoje eu tento compreender o que nos acertou foi um explosão, os milhares de estilhaços que voavam pelo local ou se foi simplesmente a mão de Deus nos puxando pra longe do perigo e ironicamente me fazendo perceber o quão desesperado o ser humano fica ao notar que a morte está ali do lado.

- Não adormeça! Fica com a gente! – escutei uma voz feminina dizendo bem próxima do meu rosto. Minha visão estava um pouco embaçada e o pescoço assim como todo o corpo, doía sem parar. Quando coloquei a mão no rosto e toquei aquela cachoeira de sangue que escorria, suponho, da cabeça, tive uma vontade incontrolável de gritar por ajuda, mesmo tendo dois médicos ao meu lado.
Eu estava apagando aos poucos. Na verdade, eu daria tudo para ter apagado rapidamente sem ter que ver a criança poucos metros de onde eu estava, sendo carregada aos gritos de dor, com o que restara do braço esquerdo, mutilado.

Foi quando percebi que com delírios ou desmaios, o pesadelo estava apenas começando...








Um salve para quem aguentou ler até o fim! 
Continua no próximo capítulo. 

Um comentário:

  1. Caramba você leva jeito mesmo, estou gostando da história e como sou apaixonada por esse tipo de texto me deu até uma facilidade em prever certos acontecidos como quando o pc é desligado. rsrsrs

    Estou ansiosa pelo próximo!

    Quanto ao seu ultimo comentário, valeu mesmo pelo conselho, e ri muito com o "mal do século (msn)" Tanto o mal do século quanto o mal da minha insônia kkkkk'.

    Beijos.

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